16|09|2025

Por uma educação plural e antirracista

Filósofa Djamila Ribeiro defende ensino crítico, representativo e atento às desigualdades históricas, e destaca o papel insubstituível do professor diante das novas tecnologias

Alex de Souza, Sesi-SP
Fotos: Karim kahn/Sesi-sp , ayrton vignola/Fiesp-sp e everton amaro/Fiesp-sp

 

Durante o III Congresso Internacional de Educação do Sesi-SP, realizado nesta segunda-feira (15/9), a filósofa e escritora Djamila Ribeiro enfatizou a importância de uma educação que vá além dos aspectos técnicos. Para ela, o objetivo deve ser o de formar cidadãos críticos, conscientes e conectados com a própria realidade. 

Precisamos pensar na forma de trabalhar com os estudantes. A educação não pode ser apenas tecnicista. É fundamental aproximar os alunos, reconhecer seus saberes e romper com a visão hegemônica masculina e europeia que ainda estrutura o nosso currículo”, afirmou.

 

 

Conexão com os alunos e o saber

Ao rememorar sua experiência como professora na rede pública, Djamila contou que certa vez utilizou a música Um homem na estrada, dos Racionais MC’s, para se aproximar dos estudantes e criar vínculos de confiança.

Eu resolvi trabalhar dessa forma porque eles precisavam se reconhecer, ter referências e entender, a partir do seu lugar, o que era estudar filosofia. Só assim foi possível abrir caminho para trabalhar, posteriormente, os conteúdos obrigatórios”, explicou.

Para ela, os alunos são também agentes do conhecimento. “Não podemos chegar com uma ideia engessada de saber e tentar enfiar goela abaixo, ignorando a realidade. É preciso escutar, dialogar e compreender o contexto local, para que a escola seja de fato representativa da comunidade da qual faz parte”, disse.

 

Racismo e desigualdades históricas

Ao abordar a questão racial, Djamila ressaltou que pensar uma educação antirracista é urgente. “O racismo no Brasil foi construído a partir da sua negação. Durante séculos, a população negra foi excluída da educação. Após a abolição, em 1888, não houve políticas de reparação e aqueles cidadãos, agora livres, foram empurrados para o trabalho precarizado, enquanto o Estado incentivava a imigração europeia, numa lógica de branqueamento da população”, esclareceu.

Segundo ela, esse histórico impactou diretamente o que se ensinava na sala de aula. “Quando criança, eu não tinha conexão com as aulas de história e geografia. Os negros eram sempre mostrados como escravos, e ponto. Eu não queria me identificar com imagens de crianças acorrentadas. Toda história contada só do ponto de vista dos vencedores reforça esse apagamento”, lamentou a escritora.

Djamila também alertou para os efeitos das teorias racistas do século XIX. “O chamado racismo científico legitimou a ideia de que negros não tinham capacidade intelectual. Essas teorias, usadas para justificar a escravidão, ainda influenciam a forma como as pessoas negras são vistas hoje. Precisamos romper com isso e valorizar os saberes produzidos no Brasil e na América Latina”.

 

 

Racismo recreativo e o papel da escola

A filósofa chamou atenção para práticas discriminatórias naturalizadas, como o chamado “racismo recreativo”, conceito que define ofensas mascaradas de piadas. 

Quando isso acontecia em sala de aula, eu parava tudo e dizia que não era correto. Porque se a escola autorizar e legitimar esse tipo de desrespeito, dará lugar à dor e expulsará as crianças daquele espaço. Precisamos estar atentos, porque a diversidade não é algo ‘novo’ ou exótico, ela já está na sociedade brasileira”, afirmou.

 

Inteligência Artificial na educação

A filósofa também refletiu sobre os limites da tecnologia na educação e disse que a inteligência artificial é uma ferramenta, mas não substitui o educador. “Precisamos questionar as bases de dados que alimentam esses sistemas, porque elas também são hegemônicas. Se perguntarmos quem inventou o avião, muitas plataformas responderão que foram os irmãos Wright, e não Santos Dumont. Isso revela que até a IA reforça narrativas dominantes”, alertou.

Para ela, pensar tecnologia na educação é também olhar para soluções já presentes na cultura brasileira. “Devemos aprender com a sustentabilidade dos povos indígenas e ribeirinhos. Essa pluralidade de saberes precisa estar na sala de aula, para criar conexões reais com os estudantes”.

 

Lugar de fala: ética e oportunidade

Autora do livro Lugar de Fala (2017), Djamila esclareceu possíveis equívocos sobre o conceito. “Lugar de fala não significa que só negros podem falar de racismo. Todos podem e devem discutir o tema. O ponto é de onde se fala. Cada pessoa fala a partir de um lugar social específico. Por isso, o debate não é sobre capacidade, mas sobre oportunidade. Quando temos oportunidade, mostramos nossa capacidade”, explicou.

Ela reforçou que o lugar de fala é uma postura ética. “Quem tem o poder da caneta precisa se perguntar: vou ser um agente de dor ou de transformação? Queremos sentar à mesa, decidir políticas educacionais e sermos lidos. Existem livros escritos por intelectuais negros, então por que não estão no currículo? A sociedade é plural, e essa pluralidade deve ser refletida na educação”, finalizou.

 

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